Entender origens anárquicas do câncer ajuda no diagnóstico precoce; cientistas vêm tentando aperfeiçoar ferramentas
O Estado de S. Paulo.
Em alguns países ricos, certos tipos de câncer – como os de mama, próstata e colo do útero – são regularmente investigados antes do aparecimento de sintomas. Os cientistas vêm tentando aperfeiçoar suas ferramentas de diagnóstico. Para alguns, as pesquisas têm caráter pessoal. Billy Boyle, presidente da Owlstone Medical, pequena empresa de biotecnologia com sede em Cambridge, na Inglaterra, é um deles. Boyle perdeu a mulher, Kate, mãe de seus dois filhos pequenos, na manhã do Natal de 2014, em decorrência de um câncer de colo do útero que havia sido detectado tarde demais. Com um diagnóstico precoce, diz Boyle, 95% dos pacientes sobrevivem ao câncer colorretal. Mas só 6% resistem à doença quando o tumor chega ao quarto estágio – o mais avançado. Para muitos tumores, a detecção precoce é “nossa maior chance de aumentar a sobrevivência”, diz o pesquisador.
Boyle pretende detectar tumores examinando o hálito do paciente com um espectrômetro de mobilidade iônica – aparelho que faz substâncias químicas atravessarem um campo elétrico oscilante a fim de determinar seu peso. O ar que sai pela boca da pessoa contém ampla gama de moléculas orgânicas, que refletem o que se passa em seu metabolismo. Por afetarem o metabolismo, as neoplasias deveriam modificar o padrão dessas moléculas. Embora seja bastante pequeno – cabe em um chip do tamanho de uma moeda – o sistema da Owlstone é extremamente sensível, sendo capaz de identificar moléculas no nível de algumas partes por bilhão. A tese é que, se um dia o sistema conseguir identificar as “digitais” moleculares associadas a determinados tumores, a doença poderá ser detectada muito mais cedo.
Não é apenas na detecção precoce que o aprimoramento dos diagnósticos deve auxiliar. Também pode contribuir para revelar as fragilidades dos tu- mores. As drogas oncológicas atuam de diferentes maneiras. Em razão disso, embora sejam eficazes contra tumores que apresentam certo conjunto de mutações, deixam intactos aqueles que tiveram desenvolvimento diverso. Nos Estados Unidos, segundo Troy Cox, diretor-executivo da Foundation Medicine, empresa de diagnósticos com sede em Cambridge, no Estado de Massachusetts, os médicos atualmente podem lançar mão de “companion diagnostics”, isto é, exames que verificam se o câncer do paciente tende a ser suscetível a determinadas drogas, ou não, antes de se decidir pela utilização de 14 medicamentos.
De acordo com a Foundation Medicine, hoje esses testes genéticos ajudam a planejar o tratamento de 50% a 60% dos tumores sólidos. Novos medicamentos, novos insights sobre os mecanismos neoplásicos e novas tecnologias que permitam verificar a presença de mutações em vários genes ao mesmo tempo tornarão esse tipo de diagnóstico ainda mais informativo em um futuro próximo. Muitos, incluindo a principal assessora para a área de saúde do governo britânico, Sally Davies, querem que os testes genéticos se tornem procedimento de rotina para os pacientes oncológicos.
A Foundation Medicine e sua concorrente ThermoFisher, com sede em Waltham, também em Massachusetts, esperam ajudar nisso com a produção em larga escala de chips de DNA para cada gene de interesse. A detecção de algumas dessas mutações ajudará os médicos a escolher as melhores drogas para combater o câncer deste ou daquele paciente; no caso de outras, será possível saber como o tumor tende a se desenvolver. Os testes também identificarão mutações para as quais ainda não há medicamentos aprovados, mas que poderiam ser tratadas com drogas em fase de ensaio clínico.
Biópsias. Os testes genéticos normalmente exigem a coleta de células cancerígenas por meio de biópsias. Essas biópsias são procedimentos invasivos, de modo geral executados uma única vez no curso da doença. O problema é que os tumores são formações a um só tempo heterogêneas e instáveis; pode haver diferenças em seu tecido, ou elas podem surgir à medida que ele se de- senvolve.
Graças a uma técnica conhecida como “biópsia líquida”, feita por meio de coleta de sangue, agora essa dificuldade é contornável. Como as neoplasias malignas lançam DNA na corrente sanguínea, é possível examinar esses fragmentos de DNA em busca de mutações. A realização, a intervalos regulares, desse tipo de teste seria uma maneira de acompanhar as mutações de um câncer. Recentemente, o Institute for Cancer Research, de Londres, mostrou ser possível utilizar uma biópsia líquida para determinar quais pacientes tendem a se beneficiar de um novo tipo de medicamento, o inibidor de PARP. O exame permitiu que os pesquisadores verificassem, em curto intervalo de tempo – entre quatro e oito semanas –, se a droga estava tendo efeitos positivos. As biópsias líquidas também são uma tecnologia promissora quando se trata de monitorar o ressurgimento de tumores em pacientes que concluíram com sucesso o tratamento. Mark Roschewski, pesquisador do National Cancer Institute (NCI), dos EUA, acredita que a tecnologia tem potencial para oferecer resultados “muito mais precisos que os exames de imagem”.
Fonte: Jornal O Estado de São Paulo - 25/09/2017