Uma jovem francesa de 18 anos tem níveis quase indetectáveis do HIV em seu organismo há mais de uma década. Ela nasceu com o vírus, transmitido pela mãe, mas desde os 6 anos não toma antirretrovirais e não tem manifestação da Aids. O caso inédito foi apresentado, nesta segunda-feira, na conferência da Sociedade Internacional da Aids, em Vancouver, no Canadá.
Segundo os médicos, a jovem pode ter uma forma natural de resistência ao HIV que ainda não foi descrita cientificamente. Ainda assim, os médicos chamaram atenção para o tratamento precoce da menina, que começou a receber antirretrovirais aos 3 meses de idade.
PROTEÇÃO NATURAL DO CORPO
Possivelmente, tanto o tratamento quanto a reação de seu organismo podem ter gerado este efeito, segundo o médico Juan Carlos Raxach, assessor de projetos da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia).
— O início precoce do tratamento pode ter ajudado a evitar que se criassem reservatórios do vírus no corpo — comenta o especialista. — Aliado a isso, é bem possível que ela tenha características capazes de criar anticorpos para neutralizar o HIV.
Raxach comemorou o caso, destacando que ainda não é possível falar em cura e lembrando que outros exemplos de remissão vêm sendo apresentados em congressos, cada um com suas particularidades.
Casos de remissão da Aids, de fato, não são novidade, e, geralmente, o vírus volta a se manifestar depois de determinado período. Um exemplo famoso é a “bebê de Mississipi” — uma menina que passou 27 meses sem tratamento, mas que, depois disto, o vírus acabou se manifestando.
Pelo menos uma dúzia de adultos teve remissão por cerca de uma década após parar os medicamentos, mas o exemplo da jovem francesa é visto como o primeiro de longa duração que começou na infância.
Asier Saez-Cirion, do Instituto Pasteur, de Paris, apresentou nesta segunda-feira o caso na conferência. A jovem vive na capital francesa e sua identidade não foi divulgada.
— Com este primeiro exemplo documentado, temos a prova de que uma remissão de longo prazo é possível, embora rara — comemorou.
O caso reforça a necessidade de tratamento precoce, diz Saez-Cirion. A maioria das mães com HIV toma medicamentos durante a gravidez, o que reduz as chances de infecção dos bebês. A mãe da adolescente francesa não teve este tratamento, e médicos acreditam que ela foi infectada antes ou durante o parto.
Na época, o bebê recebeu AZT — tratamento padrão — por seis semanas. Mas testes mostraram que ela mantinha altos níveis de HIV no sangue. Ela, então, recebeu uma combinação de quatro drogas mais potentes e manteve este tratamento até os 6 anos.
Nesta idade, ela deixou de ser acompanhada. Voltou um ano depois, mas já não usava antirretrovirais. Os médicos não encontraram sinais do vírus e decidiram mantê-la sem os remédios. Com a exceção de um leve aumento quando ela tinha 11 anos, o vírus continuou abaixo dos níveis de detecção — ainda há sinais extremamente baixos em testes ultrassensíveis.
— Ela está em remissão, mas continua infectada e não curada — reforça Saez-Cirion, destacando que a jovem não é portadora de variações genéticas ou biomarcadores conhecidos como protetores naturais contra a infecção de HIV.
Fonte: Portal O Globo - 21/07/2015